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Estudantes repudiam gourmetização da arquitetura em evento sobre o futuro do trabalho para profissionais da Arquitetura e do Urbanismo
Após um ano de aulas emergenciais remotas em função da pandemia de Covid-19, alunos de universidades públicas e privadas gaúchas temem pelo impacto da falta de aulas presenciais e de orientações a campo em sua formação no futuro. Reunidos em webinar de encerramento do Fórum SAERGS no Mundo do Trabalho na tarde deste sábado (28/11), estudantes de diferentes regiões do Rio Grande do Sul apresentaram seus receios e a nova visão que tecem sobre o mercado de arquitetura e urbanismo no futuro. “Fechamos o fórum com chave de ouro. Uma das nossas preocupações era falar sobre as novas morfologias do trabalho. E não dá para tratar desse assunto sem considerar que estão sendo formados os novos profissionais que atuarão nessas novas morfologias”, pontuou o presidente do SAERGS, Evandro Babu Medeiros. Segundo ele, é essencial que as entidades se aproximem desses jovens de forma a alinhar pensamentos e entender seus desejos e pretensões. “Não podemos manter um descompasso histórico entre o que foi o sindicato e o que importa para esses novos profissionais”, pontuou o arquiteto e urbanista convicto que é no hoje que se formam os líderes e o mercado de trabalho de amanhã. O Fórum SAERGS no Mundo do Trabalho é uma promoção do Sindicato dos Arquitetos no Estado do RS (SAERGS) com patrocínio do CAU/RS e apoio da FNA, IAB e Fenea.
Em um depoimento contundente sobre o ano de 2020, os estudantes garantem: “Passar está fácil, aprender está difícil”. Alguns deles manifestaram claro desconforto com a formação do currículo da graduação, principalmente porque seguem tratando a arquitetura como uma profissão elitizada. Em fuga do que chamam de “gourmetização da arquitetura”, estão convictos em trabalhar para garantir acesso aos mais de 90% da população brasileira que são utilizam seus serviços seja por falta de recursos, seja por desconhecimento de seus benefícios. Alguns projetam atuação com Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (Athis) mas admitem não ter sido preparados para isso na universidade.
Os rumos do ensino de Arquitetura em um mercado cada vez mais mercantilizado também foram abordados tendo em vista o aumento das instituições que de preocupam em vender matrículas e não em não formar profissionais. Uma das hipóteses em estudo, mas que ainda requer muita reflexão, é a possibilidade de estabelecer, assim como na medicina, uma residência para determinadas atribuições. Contudo, alertou Babu, há grande preocupação com o ônus disso aos próprios profissionais que precisarão de mais investimento para ingressar no mercado de trabalho.
A necessidade de pensar a profissão com um conceito mais aberto e inclusivo é a essência do discurso desses muitos estudantes. Baseados no trabalho de escritórios e profissionais que já se dedicam à Athis, a maioria acredita que seu caminho profissional é no preenchimento de lacunas vazias na sociedade brasileira. Os jovens arquitetos não querem ser novos Niemeyers. Eles querem fazer a diferença levando o “feijão e arroz” para as famílias brasileiras e ajudar a desenhar cidades mais democráticas e inclusivas.
O caminho para isso é uma incógnita tanto para eles quanto para quem já está no mercado. O fazer arquitetura fora da caixa é um sonho, por mais que não saibam ao certo quanto fora da caixa pretendem chegar. Preocupados por não verem a comunidade acessando o resultado de suas profissões, eles relatam que, apesar dos 10 anos da Lei de Assistência Técnica, debruçar-se sobre as formas como a profissão irá chegar ao povo brasileiro ainda não é tema abordado em sala de aula.
A baixa remuneração e a grande concorrência no mercado de trabalho também causam apreensão, principalmente porque as dificuldades já começaram. Remuneração abaixo de R$ 6,00/hora para estagiários, falta de orientação e excesso de trabalho são rotina dos estudantes. Mas, é claro, existem exceções e é possível aprender muito na prática. “Estagio é para ser algo muito bom. Se está se sentindo explorando com o excesso de tarefas e virando máquina, é hora de buscar outro”, recomendou presidente do CAU/RS, Thiago Holzmann, alertando para a importância de testar diferenças áreas nos estágios para ter visão geral da profissão. “É um mercado muito difícil. A vida de estagiário é parecida com a de arquiteto”, admitiu.
Provocando os alunos a refletirem sobre qual mercado de trabalho querem para o futuro e como irão se comportar quando chegarem lá, Babu garantiu que o debate precisa começar cedo. Fala reforçada pelo vice-presidente do SAERGS Rodrigo Barbieri, professor que, por muitos anos, dedicou-se à formação dos jovens arquitetos. Convicto da força da formação política da categoria, recomendou aos estudantes que procurem os centros acadêmicos das universidades. “Briguem… briguem que vale a pena”.
O conselheiro do CAU, Oritz Campos, falou sobre como profissionais e a sociedade devem demandar o conselho e sobre a força da vivência de centros acadêmicos para a formação cidadã. “A formação técnica é fácil. É só seguir as aulas e entregar os trabalhos. A formação humana do arquiteto é mais complicada”, disse, ressaltando a necessidade de uma visão maior sobre sociedade e cidade. E acrescentou: Participem das entidades políticas estudantis. Essa experiência será vital para vocês, no futuro.
Representando a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Fernanda Lanzarin falou sobre os desafios do movimento sindical, que vem sendo criminalizado por defender as causas dos trabalhadores. Apresentou sua experiência na administração de escritórios de arquitetura e deu dicas práticas de como driblar os pequenos dilemas do dia a dia de como atender o cliente, divulgar seu trabalho ou cobrar por ele. “Temos que tentar ver o copo meio cheio. Se uma grande parte da população não utiliza nossos serviços, temos que ver que isso representa que temos mais público para ser atendido do que outras áreas” E deixou um recado: “Arquitetura muda a vida das pessoas. Não percam a utopia. Se a gente esquecer disso, não sobra muito”.
O presidente da Asbea/RS, Vicente Brandão, alertou sobre a importância de estar preparado para aproveitar as oportunidades que aparecerão pela frente. Uma delas, alertou ele, é em relação à atuação internacional, possibilidade que ganha força com o tele-trabalho e com a tecnologia. Para isso, o estudo de inglês e espanhol é essencial, aconselha. Mesmo preparo deve-se ter em relação a ferramentas como softwares e o BIM, por exemplo. “O mercado se expandiu. Isso pode ser ruim para quem não está preparado, mas traz oportunidades”, disse sugerindo que os estudantes circulem, procurem as entidades, sejam vistos mesmo que o momento seja de ficar em casa.
A necessidade de união para enfrentar esse ou o mercado futuro foi mais uma vez trazida ao debate do Fórum SAERGS no Mundo do Trabalho, temática que perpassou por praticamente todas as agendas realizadas nos meses de outubro e novembro. “Se enfrentarmos as lutas que temos sozinhos, perderemos. Precisamos unir esforços para resolver as questões de forma conjunta. A arquitetura é mais que uma profissão. É uma formação intelectual e filosófica com amplo nível de atuação”, sacramentou Barbieri.
Recém-formada e representando a Fenea, Franciele Schallenberger expôs as incertezas e pressão que chegam com o canudo. “Todo mundo quer saber se eu vou abrir um escritório”, conta. O que sinto neste momento, garante ela, é uma espécie de inquietação que seguiu após a graduação. “É uma inquietação sem formula mágica para o entendimento que o caminho não esta trilhado”.
Outra preocupação que perpassa pelos corredores das universidades é sobre a exploração do trabalho e de uma certa romantização do fazer arquitetura. Conscientes de que para ser um profissional realizado e bem estabelecido é preciso equilíbrio entre o pessoal e o profissional, eles apregoam o fim da apologia a noites insones. E isso passa por impor limites às horas trabalhadas e manter uma vida social ativa e feliz. Também acreditam em uma ação mais horizontalizada entre cliente e arquitetos, com visão mais colaborativa onde profissional e comunidade aprendem e ensinam mutuamente. Contra a hierarquia que coloca muitos arquitetos área como donos da verdade, os jovens estudantes apostam no cara a cara, no mutirão e na ação em escritórios-modelo.
Outra reflexão versa sobre a subprecificação do trabalho do arquiteto. Relatando debates de sala de aula, os alunos informaram que uma fatia expressiva da turma está sim disposta a atuar abaixo do padrão de mercado para garantir fluxo em seu futuro escritório. Atividade predatória que fala sobre o mercado de trabalho de arquitetura e urbanismo, mas também diz muito sobre a sociedade. Com maturidade e perspicácia, os estudantes pontuam que a ânsia capitalista pelo dinheiro tomou conta do mundo moderno. No que definiram como uma “mudança estrutural da sociedade”, temem a ação nociva desse novo profissional sobre o mercado do futuro. Uma mudança que está na base, que passa pela precarização das relações de trabalho e pela busca desenfreada de recursos focados na acumulação e no consumo. E que, eles têm certeza, é mais profunda que apenas a arquitetura. É uma corrida para trabalhar o tempo todo meramente para sobrepor-se aos outros.