Estado mínimo sem arquitetos e urbanistas

por André Huyer – Arquiteto e Urbanista

Hoje é moda pregar pelo Estado mínimo, enxuto, sem funcionários públicos, focado na saúde, segurança pública e educação. Ok, tudo bem, a não ser por um pequeno detalhe: estão confundindo Estado mínimo com ausência de Estado. Estado mínimo, como a denominação indica, pressupõe algo mínimo, mas não algo inexistente.


Figura 1: Aspecto deplorável devido às lajotas lambuzadas e borradas por argamassa, o quadrado de piso tátil fora de esquadro.

O que ocorre quando o Estado está abaixo do mínimo? Tomemos o caso dos arquitetos, um Estado sem arquitetos. Neste exemplo, o Estado representado pela Prefeitura Municipal. Se não houver arquitetos, ou arquitetos em número “mínimo” suficiente, não haverá fiscalização dos serviços contratados pela Prefeitura. Veja-se a licitação do mobiliário urbano de Porto Alegre, dos totens com termômetros e relógios. A figura 1 exibe o acabamento que foi deixado no piso (a falta de acabamento), após a instalação de um desses equipamentos, na avenida Guaíba, na praia de Ipanema. Questiona-se: – Teria custado muito mais caro ter dado um acabamento razoável? Compare-se o custo de arrematar as lajotas de basalto com o custo total da obra, que incluiu um bloco de fundação (sapata) com grande volume de concreto armado. Ora, o que ocorreu ali foi a falta de fiscalização. Aliás, não se trata do que ocorreu, mas do que não ocorreu. Bastaria um arquiteto da Prefeitura fazer uma rápida vistoria para constatar que não poderia receber essa obra. Certamente que não houve fiscalização. Nenhum arquiteto fiscal aceitaria essa displicência deixada no acabamento do piso.

Figura 2: Lajotas deixadas em desnível, soltas, quebradas, sem substituição. Essa obra seria aceita se um arquiteto a fiscalizasse?

Outro exemplo, no mesmo local. A Prefeitura contratou com a iniciativa privada (a primeira obra também foi da iniciativa privada) a remodelação do calçadão de Ipanema. O que se vê? Diversos detalhes com péssimo acabamento, ver figura 2. Trabalhos que não custariam nada a mais ao empreendedor, se fossem bem executados na primeira vez. Mas a Prefeitura, estando abaixo do Estado mínimo, aparenta que não tem fiscais para darem um rigor mínimo na qualidade das obras. Será preciosismo de nossa parte? Esperar que simples obras de pavimentação de passeios públicos sejam bem acabadas? Ora, para uma obra orçada em mais de setecentos mil reais, qual a dificuldade em fazer as coisas bem feitas?

Na realidade, a questão do Estado mínimo é muito mais ampla em nossa sociedade. Por motivações que não vem ao caso, há tempos é clichê falar mal dos serviços públicos, como se fossem desnecessários, incompetentes, empregassem demasiado número de pessoas, etc. Quando alguma obra ou serviço realizado pelo serviço público é problemático, a opinião pública “baixa o sarrafo”, sem maiores contrapontos. Quando a iniciativa privada, executando serviços ou obras para o Estado, demonstra resultados problemáticos, a crítica nunca é proporcional, isso se houver alguma crítica.

Nossa sociedade faz a apologia ao Estado mínimo de uma maneira automática, sem nem ao menos refletir sobre o que está dizendo. Veja-se outro exemplo. A duplicação da estrada BR-116, entre Porto Alegre e Pelotas. Diversos lotes dessa obra foram abandonados pelas construtoras que haviam vencido as licitações. Quem assumiu a finalização de todos os lotes? O exército brasileiro. Ou seja, o Estado. E o paradoxo: muitos que criticam o Estado, neste caso específico, ficam enaltecendo a competência do exército. Esquecendo que ele também é o Estado que tanto criticam. Mas não se percebem críticas às empresas da iniciativa privada que não tiveram competência para concluir as obras que haviam assumido o compromisso de realizar.

Talvez o mais extraordinário caso dessa relação esquizofrênica de crítica ao Estado e beneplácito com a iniciativa privada tenham sido as obras da Copa de 2014 em Porto Alegre. Praticamente todas “super” atrasadas quanto ao término de seus trabalhos. Aliás, algumas ainda nem hoje concluídas, passados mais de seis anos do prazo. A origem dos problemas? Os “projetos” problemáticos das obras, que foram doação da iniciativa privada para a Prefeitura de Porto Alegre. Mas, como os projetos foram um presente da iniciativa privada, a imprensa e a opinião pública não tocam no assunto, ficando para a Prefeitura todo o ônus pelo atraso das obras.

Saindo de esfera tão ampla, como as obras da Copa ou duplicação da BR-116, como é que os cidadãos, que pleiteiam o Estado mínimo, que querem o Estado focado na saúde, educação e segurança, se comportam para “fazer a sua própria parte”? Vejamos uma situação cotidiana muito simples: varrer a calçada na frente de nossas casas, apartamentos, escritórios? Ora, nem isso é feito, com raras exceções. Queremos que outro faça, de preferência a Prefeitura. E quando surge um buraco no meio da rua em frente a nossa casa? Dane-se o Estado mínimo, a saúde, educação e segurança: – Prefeitura! Venha imediatamente consertar o buraco na rua em frente a minha casa…

Enfim, o Estado mínimo, como propugna o senso comum preponderante, não é possível. O Estado deve ter um mínimo sim. Deve estar desse mínimo para cima. E não abaixo dele. Qual é esse mínimo? Vamos discutir. Queremos arquitetos para fiscalizar a entrega de obras contratadas com a Prefeitura. Precisamos de arquitetos para elaborar os editais das licitações de serviços e obras públicas. Para fiscalizar o andamento delas, para fiscalizar o aceite delas. E muito mais.

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